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Fotossintese

Há quase 100 anos, em 1922, Mário de Andrade descreveu uma cidade que recém deixava de ser uma província cafeeira e ensaiava uma cena cultural moderna como sendo a Paulicéia Desvairada. Se naqueles dias ela já parecia impor um ritmo vertiginoso a seus moradores, tanto nativos quanto adotados, o que dizer de hoje? Expandida, esgarçada, fundida a tantas outras vizinhas, como descrever, como entender São Paulo Do centrão velho de arquitetura eclética à zona rural de Parelheiros, a metrópole é muitas. Dos paralelepípedos à terra batida, encerra mansões e barracos, tempos passados e promessas sempre reeditadas. O trabalho, o lazer, o crime, o deleite – tudo ao mesmo tempo, e muito. Daqui saem e para cá convergem todas as gentes e todos os sotaques, que se espalham e se multiplicam.

É deste caldo de existências paralelas que emerge o olhar sorridente de Marcelo Albuquerque. Seja na velocidade controlada do trem, na da adrenalina do skate ou no vento criado pela bike, muitas histórias podem ser observadas. A metrópole costuma inspirar aquelas que reforçam a vida acelerada e caótica da contemporaneidade, os fluxos multidirecionais e as indiferenças geradas pelo passo rápido e pela força da grana que impele o movimento. Marcelo flana em outro ritmo, por isso atribuo a qualidade de sorridente ao seu olhar. Este olhar que se detém no arco-íris da mancha de óleo ou no reflexo do transeunte na poça d’água. Que capta o semblante preocupado do trabalhador a caminho de casa e o registro apressado do jargão da quebrada na janela da condução. Também na pausa respira a cidade para recobrar o fôlego – no vão entre os edifícios, na pedra que falta no chão, no abrigo da seringueira à bicicleta.

É um bom começo de caminhada. Ou de pedalada. Talvez Marcelo não saiba como vai. Mas é certo que irá.

 

Sylvia Werneck

curadora

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